jul | 2022 por Edon
Como a poesia é a arte que necessita de menos recursos materiais para sua criação, julga-se que se trata da arte mais democrática. Basta lápis e papel. Ou nem isso: voz e ouvido. Ou ainda somente o gesto, que expresse aos olhos o sentimento sobre algo real, necessário sobre a vida.
Mas o processo é acidentado. A arte não nasce sob fórmulas científicas. Há algo de mistério em sua alvorada. Sua criação se dá no limite de um conflito entre o comum, o ordinário e o estranho, o insuportável, o incompreensível da experiência e, como num salto ao abismo que os separa – neste ímpeto de jogar-se – revela-se uma ponte inesperada, que concilia na palavra um caminho.
Não é fácil. Não corresponde a uma habilidade inata com o jogo das palavras, cuja virtuose prolifera figuras de linguagem, produz uma atmosfera de contágio que inebria, que manipula, mas, ao contrário, surge das dificuldades, de um relacionamento problemático com a linguagem. Antes da concórdia rítmica há uma luta com a palavra em busca da verdade pela qual se expresse.
Então, as perguntas inevitáveis: é possível se ensinar poesia? Como a poesia pode ser usada na educação?
As respostas contemplam experiências que abrangem desde as práticas curriculares em sala de aula, passando pelas oficinas como projetos de criação, até o aprendizado social pelo movimento orgânico da cultura.
NA SALA DE AULA
Por sua condição formal, a escola aplica a poesia no cotidiano da sala de aula, priorizando os seus aspectos linguísticos e técnicos. Um professor, seguindo as recomendações curriculares, compõe sua didática das práticas pedagógicas citando poetas, apresentando poemas consagrados, indicando recursos estilísticos como rimas, imagens antitéticas, metáforas e analogias que permitam ao texto performar, em um roll de atividades de produção propostas em torno de temas pré-estabelecidos, com que o educando evoque suas memórias.
Embora seja corrente a concepção construtivista de que o aprendizado deva se construir a partir dos conhecimentos prévios dos alunos, orbitando seus interesses, a realidade é que a própria estrutura temporal da aula e espacial da sala impede a espontaneidade necessária para que o processo poético mobilize os educandos e se constitua dinamicamente com o fim de uma personalidade artística, cujo estilo se identifique com a formação integral do educando.
Isso limita a experiência da poesia na escola ao conteúdo disciplinar, processado no interior do sistema de ensino, como formador de competências linguísticas, de acordo com o currículo homologado nas Bases Nacionais Comuns Curriculares (BNCC) para a Educação Básica, em que as artes são inseridas na área das linguagens, junto à Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Educação Física. Nas Bases a poesia não é abordada através das artes, mas da língua portuguesa, subordinada, dessa forma, no melhor dos casos, como instrumento funcional de alfabetização e letramento.
Sob o sistema de ensino, um exemplo de boa prática pedagógica que potencializa o uso da poesia à mercê destes limites curriculares e institucionais, são os projetos produzidos por organizações como o CENPEC (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) que organiza dentre várias atividades a Olimpíada de Língua Portuguesa, através do Programa Escrevendo o Futuro, focado na formação continuada de professores, contribuindo também com o aprendizado dos educandos que participam do evento, articulado com o sistema como um todo.
Cerimônia de encerramento do Encontro de Semifinalistas – Crônica – YouTube
OFICINAS DE CRIAÇÃO
As oficinas são ações extracurriculares que colocam no centro a experiência poética e a presença da poesia como arte. São encontros que apresentam uma metodologia mais direta. Se interessa pela manifestação da subjetividade dos participantes, sem qualquer limite ou direção. Provoca o que já estão desejosos de expressarem. Quem ministra tais encontros é um poeta, um artista, cuja familiaridade com o tema permite que faça da ocasião uma ação poética com seu grau de embate e improviso.
Muitas oficinas se atrelam à arte contemporânea para além da concepção tradicional de poesia, transitando em suas mais diversas manifestações artísticas. O exemplo abaixo mostra a experiência do poeta e professor Renan Inquérito em uma de suas oficinas de poesia na Fundação Casa.
O Fino da Zica | Renan Inquérito – YouTube
MOVIMENTO CULTURAL
Em uma visão de comunidade de aprendizado a criação espontânea de poesia, inerente as manifestações culturais – pelo exemplo familiar, pelo costume local – acaba sendo a forma mais própria de contribuição da arte de modo geral com a educação. A informalidade garante o interesse genuíno. O convívio social e seus laços comunitários fomentam o prazer no jogo da linguagem, e, principalmente, a implicação total da pessoa na realidade em que se insere, torna a poesia um veículo natural pelo qual alguém se valha para sanar uma necessidade de expressão, de questionamento, de sentido existencial, que a própria vida impõe em sua condição de angústia.
O repente
Foto: Portal del Profesor – De repente… o repente (mec.gov.br)
O rap
Foto: Kultūra: The Mixtape of Revolution (ajarnmike.blogspot.com)
São fenômenos culturais que transcendem o uso padronizado da arte na educação e educa na experiência viva da arte.
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